A confusão democrata em Iowa

A confusão democrata em Iowa


O estado que se orgulha de dar início à escolha do presidente não consegue divulgar o resultado de seu “caucus”, sistema que mais parece dança de salão que eleição Eleitores aguardam contagem em um ginásio, durante caucus em Des Moines, Iowa, na segunda-feira (3/2)
Reuters/Jonathan Ernst
O estado de Iowa se orgulha de dar o pontapé inicial na eleições americanas. Desde os anos 1970, é o primeiro a escolher os candidatos nas prévias, por meio do convoluto sistema conhecido por “caucus”, que mais parece uma dança de salão que eleição. Na noite de ontem, o “caucus” democrata em Iowa resultou numa confusão tão grande, que até agora não se sabe quem ganhou, nem exatamente por que os resultados não foram divulgados.
O líder do partido no estado, Troy Price, declarou tarde da noite que os resultados sairiam apenas hoje em virtude de “inconsistências” na apuração. Estava em curso uma checagem manual que “demorava mais que o esperado”. No vácuo de informações oficiais, prosperaram as especulações.
O pré-candidato Pete Buttigieg proclamou vitória com base em números que seus partidários diziam ter apurado em 83% dos centros de votação. Bernie Sanders e Elizabeth Warren foram mais cautelosos, mas garantiram ter ultrapassado o patamar mínimo de 15% dos votos, exigido para conquistarem delegados. O chefe da campanha de Warren afirmou que Sanders, Buttigieg e ela obtiveram resultados próximos, enquanto Joe Biden amargou um distante quarto lugar. Até Amy Klobuchar, azarão na corrida, afirmou ter superado a expectativa.
A confusão toda foi atribuída a um aplicativo usado para transmitir os resultados dos cerca de 1.700 recintos onde os “caucus” foram realizados até a central de apuração. Na verdade, mesmo que o aplicativo tivesse sido testado a contento – não foi –, Iowa não estaria imune.
Os “caucus” locais geram controvérsia há décadas. Em 2012, levou semanas para o partido republicano dirimir uma disputa entre Mitt Romney e Rick Santorum. No início atribuída a Romney, a vitória foi depois concedida a Santorum depois da reavaliação dos resultados. Em 2016, Hillary Clinton derrotou Sanders por apenas quatro delegados, numa disputa que levou dias para ser confirmada e é contestada até hoje. A campanha também foi manchada pela divulgação de e-mails internos que levaram à renúncia da chefe do Comitê Nacional Democrata, acusada de manobras para favorecer Hillary.
Para tentar evitar novos problemas, os democratas mudaram as regras para os “caucus” deste ano em Iowa. Tentaram trazer mais objetividade a um sistema já confuso por natureza. No “caucus”, os eleitores não votam, mas se agrupam em torno de cartazes que identificam o candidato de sua preferência. Como nem sempre todos os grupos alcançam o patamar mínimo de 15%, há rodadas de realinhamento, em que os presentes mudam de voto até que se atinja uma configuração estável. A cena com gente andando para lá e para cá confere ao “caucus” o ar de balé folclórico ou dança de salão.
Para este ano, o realinhamento foi limitado a uma única rodada, e quem tivesse se alinhado ao grupo de um candidato que superasse logo na primeira o patamar de 15% não poderia mudar seu voto. Isso foi feito para reduzir a pressão a que todos ficavam sujeitos entre as rodadas. Atendendo a uma demanda da campanha de Sanders, o Partido Democrata de Iowa também afirmou que divulgaria todos os números dos recintos: resultado da primeira rodada, da segunda e cálculo final da proporção de delegados alocada a cada candidato, conhecida como “delegados-equivalentes”.
A cada local corresponde um número de delegados na convenção estadual, estabelecido em proporção à presença nos últimos “caucus”, não no atual. Cada candidato obtém uma parcela dessa quantidade, correspondente a sua votação no local em “delegados-equivalentes”, conta que pode resultar num número fracionário. Os 41 delegados (reais) que Iowa enviará à Convenção Nacional Democrata em julho são distribuídos na proporção da soma dos “delegados-equivalentes” estaduais. Um candidato só obtém delegado na convenção se tiver alcançado o patamar mínimo de 15%.
Se você não entendeu direito, não se preocupe. É confuso mesmo. Nem os americanos entendem. Tal sistema tem falhas evidentes: um candidato pode ser o mais votado, mas perder no realinhamento. O uso da presença em anos anteriores para distribuir os delegados permite que alguém vença tendo obtido menos votos. Para não falar na distorção intrínseca ao sistema, que confere a um estado majoritariamente branco e agrícola um peso desproporcional na escolha do candidato a Presidˆ´ncia, por ser o primeiro a definir o “grid de largada”.
É antiga a pressão para que Iowa acabe com os “caucus” e adote primárias como a maioria dos estados (fora Iowa, só Nevada, Wyoming e dois territórios farão “caucus”). Na primária, o voto é secreto, como em qualquer eleição. Uma lei estadual em New Hampshire determina que as primeiras primárias sejam realizadas lá (elas estão marcadas para a semana que vem). Iowa mantém os “caucus” apenas para garantir a primazia no voto – e, com a teimosia, tem garantido também a confusão.
Fonte: MUNDO

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