Trump e a esperança de paz

Trump e a esperança de paz


Por que, apesar dos defeitos, é preciso levar a sério a proposta americana para o Oriente Médio Benjamin Netanyahu e Donald Trump apresentam plano para paz entre Israel e Palestina nesta terça-feira (28/1)
Brendan McDermid/Reuters
Ainda que inaceitável para os palestinos, o plano de paz proposto ontem por Donald Trump para o Oriente Médio precisa ser levado a sério. Ele certamente não trará a paz na forma como foi proposto, mas poderá representar a retomada de negociações. Se isso ocorrer, será motivo para esperança no conflito mais intrincado do planeta.
Trata-se, sem dúvida, da pior oferta já feita aos palestinos. Sobretudo se comparada às duas vezes em que se chegou mais perto de um acordo nas últimas décadas: no encontro entre Ehud Barak e Iasser Arafat na cúpula de Camp David, em 2000, e num jantar em que Ehud Olmert recebeu Mahmoud Abbas em Jerusalém, em 2008.
Desta vez, não houve nenhum tipo de consulta à Autoridade Palestina, ignorada na elaboração da proposta. Em virtude disso, as ideias trazidas à tona por Trump satisfazem às demandas territoriais israelenses sem levar em conta as palestinas. As características que tornam a proposta inaceitável aos palestinos são evidentes. Eis as principais:
Anexação das colônias israelenses na Cisjordânia e concessão de apenas 70% do território ocupado ao futuro estado palestino. Os planos anteriores chegavam a até 97%, com a troca de áreas ocupadas por regiões de maioria palestina em Israel. Desta vez, Trump ofereceu áreas desérticas para desenvolvimento agrícola ou industrial perto de Gaza, uma ideia criativa, mas de pouco sentido prático ou histórico;
Manutenção do atual território de Jerusalém como “capital una e indivisível” de Israel e criação da capital palestina em subúrbios que nenhum dos lados considera propriamente parte da cidade (provavelmente Shufat ou Abu Dis). A área habitada por palestinos em Jerusalém e conhecida como “Jerusalém Oriental” permaneceria como território soberano de Israel;
Manutenção dos locais sagrados para os muçulmanos em Jerusalém sob custódia da Jordânia, em vez de transferi-los ao futuro estado palestino;
Manutenção do estado palestino como enclave dentro de Israel, sem fronteiras com Egito (em Gaza) ou Jordânia (Cisjordânia).
Soberania israelense sobre o Vale do Jordão, com controle de segurança, acesso a água, espaço aéreo, espectro eletromagnetico e energia;
Manutenção do futuro estado palestino desmilitarizado até que Israel julgue adequado desocupar o território;
Recusa do direito de retorno aos refugiados e seus descendentes expulsos da Palestina depois da independência de Israel em 1948;
Recusa em implementar qualquer parte do plano até que a Faixa de Gaza não seja controlada pelo grupo Hamas, cujos estatutos defendem a extinção do Estado de Israel. O Hamas está no poder em Gaza desde a última eleição legislativa palestina, em 2006.
Apesar de tudo isso, é o erro encarar o plano de Trump pelo valor de face. Ele deve ser visto como um passo político para destravar conversas emperradas há mais de dez anos. Se a reação palestina foi a esperada – os dois principais grupos, Fatah (de Abbas) e Hamas, se recusam a aceitar a proposta –, os americanos conseguiram reunir do outro lado apoios essenciais para a negociação evoluir.
Em Israel, o plano foi apoiado por ambos os candidatos que disputarão a terceira eleição em pouco mais de um ano: o atual premiê, Bibi Netanyahu, e seu adversário, o general Benny Gantz. Politicamente, Bibi é quem mais perde com o apoio, já que os partidos mais radicais de sua aliança eleitoral não aceitam a criação de nenhum estado palestino e defendem simplesmente a anexação da Cisjordânia.
É verdade que a situação política de Bibi fica a cada dia mais frágil. Não teve força para aprovar no Parlamento a imunidade que o protegeria do indiciamento em três casos de corrupção e concorrerá sob a espada da Justiça. Ele corre um risco ainda maior ao abandonar a ideia de um estado único, com que flertava nos últimos tempos, ao apoiar explicitamente a criação de um estado palestino e ao aceitar congelar a colonização da Cisjordânia
Para Gantz, o custo do apoio ao plano de Trump é menor, mesmo assim não é nulo. A reação palestina à proposta, em particular do Hamas, poderá desencadear uma nova onda de violência que cairá no colo de quem quer que venha a vencer as eleições no início de março.
A maior novidade do plano de Trump está não no apoio em Israel, mas nos países árabes. O plano fala num financiamento de US$ 50 bilhões para o futuro estado palestino, dos quais US$ 22 bilhões viriam de Egito, Jordânia e Líbano. Para não falar no poder de pressão que Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e outros estados produtores de petróleo podem ter para levar os palestinos à mesa de negociações.
A recusa às ofertas israelenses, tanto de Arafat quanto de Abbas, levou os palestinos não a uma posição de força na mesa de negociação, mas acabou por enfraquecê-los. A situação no terreno é tal que, hoje, será impossível falar em estado palestino sem levar em conta os colonos da Cisjordânia ou o acesso de Israel ao Vale do Jordão.
Ainda que impraticável, o plano de Trump tem a qualidade de estar baseado na realidade atual, não nas fronteiras fictícias da partilha de 1948 ou nas anteriores à Guerra dos Seis Dias, em 1967. Se for encarado como ponto de partida para uma solução que se aproxime das propostas de Barak ou Olmert, pode contribuir para desatar o nó historicamente intratável. Do contrário, o resultado poderá ser uma nova onda de violência – ou o impasse de sempre, que só tem contribuído para enfraquecer os próprios palestinos.
Fonte: MUNDO

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